quinta-feira, 29 de abril de 2010

Cartaz de Cinema

CRÍTICA!

OS ESQUECIDOS PELO CINEMA
Durante alguns meses de 2007, o cineasta mineiro Ernane Alves (Foto), em meio a outras atribulações profissionais e um tanto por acaso das circunstâncias, começou a filmar nos povoados do Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais. O resultado deste encontro com criaturas dessa região mineira se dá no documentário Cinema Vale Sonhos (2010), que, à maneira do velho neorrealismo italiano, mas sempre reinventando-se, resgata a riqueza da realidade diante duma lente cinematográfica.
É o primeiro documentário de Ernane. E é o primeiro filme em que ele próprio maneja a câmara, sem a muleta do fotógrafo. Concebido de forma livre, sem a existência prévia de um roteiro ou ao menos de uma intenção cinematográfica preliminar, Cinema Vale Sonhos vai adquirir uma extraordinária unidade pela articulação da montagem cinematográfica que liga os diversos povoados e as pessoas com que a câmara depara ao longo do filme. É o contato bruto com a realidade que vai enriquecendo a linguagem cinematográfica de Ernane. Daqueles espíritos simples e desglamurizados que Ernane encontra ao largo de seu caminho cinematográfico é que aparece algo novo dentro do atual cinema brasileiro e que mereceria ser descoberto pelo público, que precisa a aprender a descolonizar o olhar e enxergar com naturalidade aquilo que salta à vista: é bem este exercício de pureza fílmica que Ernane exercita diante de suas câmaras.
Enfim, de que trata mesmo Cinema Vale Sonhos? Seu assunto é um paradoxo que se erige em sua própria forma. As pessoas que circulam por Cinema Vale Sonhos nunca foram ao cinema. E também pertence àquele tipo de indivíduo pouco visitado pelo cinema: o cinema também nunca vai até eles. É o olho cinematográfico de Ernane que promove o encontro entre o cinema e o povo do Jequitinhonha: e Ernane tem o dom do cinema para ajustar seu olhar para o outro; há uma forte carga afetiva neste ajuste de olhares que se confrontam em suas realidades o mais das vezes paradoxais. Os planos longos que acompanham algumas declarações em cena são verdadeiramente amorosos.

P.S.: Um adendo especial para as performances musicais de Bruno Tonelli, que capta com extrema adequação as tonalidades sonoras agrestes e ríspidas daquelas regiões. E é bom saber que aqueles ermos evocados literariamente por Guimarães Rosa continuam a ter seguidores numa arte (“poderosa” como afirma uma personagem) como o cinema.
Porto Alegre, Sábado, 24 de Abril de 2010.
Eron Fagundes
Crítico de Cinema
DVD Magazine